Um designer brasileiro na maior empresa de brinquedos do mundo

por Fabi Lins 1.345 views0

Sou designer de produto, brasileiro, morando na Cidade do México, há 10 anos. Estudei em uma Universidade pública, Universidad Autonoma Metropolitana-Azcapotzalco, apesar de pública é uma das melhores Universidades no curso de design.

No fim do meu curso, consegui um intercâmbio acadêmico, com a maior empresa de brinquedos do mundo, nos Estados Unidos, a MSI

Demorou dois anos, entre uma conversa informal da possibilidade de ir, até a resposta concreta com data para viagem.

Muita expectativa, tinha que chegar em setembro 7, uma segunda feira, cheguei antes na sexta, com os nervos a flor da pele, segunda feira era feriado nos Estados Unidos, o que no princípio foi legal, mas no final revelou-se uma data traiçoeira.

Primeiro dia, tinha que chegar cedo às 9 da manha, cheguei tarde até dar com o lugar. Morava no centro, a empresa estava fora da cidade, uma hora e meia de ônibus todos os dias.

Chegando, tive um tour pela empresa, conhecendo todo o pessoal, e as diferentes áreas. Surprendentemente o vice-presidente era mexicano, que sempre me deu uma força e foi a razão do intercâambio, a empresa queria iniciar um intercâmbio com designers mexicanos.

Entramos em uma sala de reunião, e a primeira prova de fogo, todo o staff de designers e engenheiros, e o primeiro dialogo: -“Pessoal, ese aquí é o Marcio Dupont, designer de produto, do México que vai ficar uma temporada aqui na empresa. Se apresente por favor a todos.”

Gelei, eu sou um cara que não gosta de ficar no palco, e mais assim sem nenhum aviso, mas não tinha outra alternativa, me apresentei e vamos em frente.

Foi uma experiência muito interessante e inesquecível, ja que te dá uma perspectiva diferente em uma megaempresa, em um país altamente industrializado, onde o design é uma força presente no dia a dia, accessível a todos.

Desde o princípio me disseram que era uma empresa que fazia brinquedos para McDonald’s, mas ninguém tinha me falado do tamanho do monstro. Para minha surpresa, é a maior empresa fabricante de brinquedos, superando Hasbro, Mattel.

Os seus maiores clientes são Disney, Mattel, Hasbro, mas o McDonald’s era o mais forte, especialmente os brinquedos de caixinha feliz.

Basicamente, a empresa tinha o seu departamento de desenvolvimento de produto, onde se concentravam todos os designers de produto, um grupo de 10 pessoas, de diferentes idades, onde alguns já tinham uma experiência anterior em outra empresa de brinquedos, ou vinham de outro tipo de empresas.

Vendo um brinquedo, pensamos que tal complexo é ser designer de brinquedos?

A empresa tambem tinha o seu próprio departamento de segurança para crianças, onde dois especialistas examinavam os brinquedos, sugeriam materiais mais fortes, resistentes, que não fossem quebradiços, que não fossem pontiagudos, e curiosamente tinham blocos de acrílico com orificios do tamanho da boca da criança, de uma determinada idade, onde experimentavam alguns brinquedos. Em um país onde as pessoas vivem das demandas e os advogados sonham em demandar uma empresa de esse tamanho, não se podia admitir nenhum escorregão quanto à segurança do brinquedo e sua relação com uma criança.

O ambiente de trabalho era muito informal, o andar de designers era dividido com engenheiros, especializados em plásticos, injeção de plásticos, moldes.

Cada um tinha o seu escritório com todo o material possivel, desde rotuladores até a computador com o seu scanner, a empresa não economizava dinheiro, o que era necessário para trabalhar estava presente, e se não estivesse, mandavam pedir. Uma coisa surpreendente, para um brasileiro, ou latino, que sempre escuta que não há dinheiro, e que se vire com o que tem.

Sempre lembro do filme Toys do Tom Hanks, que parecia um pouco exagerado, mas a empresa tinha esse espírito. Todos colecionavam brinquedos, e eram alucinados, especialmente por tudo relacionado a Star Wars. Brinquedos o dia inteiro.

Eu estava na planta baixa, no departamento de design-desenvolvimento de produto, no segundo andar, estava a área de criaçao de novos conceitos, era o “lugar” mais legal da empresa. Um quarto cheio de brinquedos do chão ao teto, e não brinquedos comuns, mas protótipos, e séries especiais, um grupo de ilustradores, não eram nem designers gráficos e nem de produtos, criavam os novos conceitos, acho que era o melhor trabalho do mundo, ficar o dia inteiro rodeado de brinquedos, revistas, televisão, video, estudando a cultura e as últimas tendências, e desse caldeirão, desenhar novas idéias.

Perguntei porque não eram os designers de produto que pelo menos faziam as idéias iniciais, o esboço de um novo brinquedo, me responderam que tinham tentado trabalhar com os ilustradores alguma vez e não deu certo. Briga de egos com certeza.

Os ilustradores davam o esboço inicial, mas não tinham a mínina idéia para mecanismos de movimento, plásticos, injeção, e chegavam idéias que eram boas, mas com mecanismos incorretos, ou idéias que na prática não funcionavam, o que irritava alguns designers.

Tinhamos que desenhar um brinquedo por dia, de manhã, recebiamos o esboço dos ilustradores, ou uma idéia mais elaborada de outro designer, tinhamos que fazer vistas a mão, um explosivo, e sugerir acabamentos, se o brinquedo tinha decoração pintada a mão ou se eram adesivos, quantas peças. Tudo a mão, essa primeira proposta, era enviada à China por fax, onde a empresa tinha a fábrica, e outra equipe de designers de produto e engenheiros que faziam uma evaluação, sempre pensando nos custos. Saia um brinquedo por dia, e quando era um pouco mais complicado demorava 2 ou 3 dias, um brinquedo como os Transformers demoravam umas 2 semanas, mas era uma exceção .

A empresa tinha um pequeno departamento de modelos/ maquetes onde um especialista ou os mesmos designers faziam modelos, quando o brinquedo era mais difíicil de visualizar apenas no papel, como os Transformers, que exigiam movimentos especiais de transformação de um robô a um animal. Mas era só um quebra galho, tinham também outro departamento mais especializado de modelos em Los Angeles, para soluções que precisavam mais maquinaria ou pessoal muito mais experiente.

O dia inteiro eram pacotes de Fedex, DHL, cheios de brinquedos que iam de um lado a outro.

O pessoal na China por fax mandava a sua correção, se corrigiam os desenhos e passavam para outro departamento onde outro designer começava a decidir sobre as cores do brinquedo, usando pantones.

Também havia outra área de especialistas em computador com softwares como Alias que ja trabalhavam tolerâncias e dimensionavam com exatidão como deveria ser para a injeção.

Todas as propostas eram supervisionadas por engenheiros especialistas em injeção de plásticos que também revisavam o desenho como a maneira que um braço entrava no corpo, e as tolerâncias devidas.

Cada terça tinhamos reunião de staff onde todos discutiam o avanço de cada projeto, já que cada um tinha o seus brinquedos a desenhar, e na mesma sala se penduravam os planos técnicos de cada um para uma exposiçao geral.

Tinhamos também vídeo conferências com os chineses onde se examinavam os modelos dos brinquedos, eram brinquedos detalhados, com todos os movimentos e articulações, mas sem cor, em um material cinza.

Nessa reunião, os chineses já podiam ver a quase versão final do brinquedo, e se sugeriam mudanças minimas.

Cada vez que saia uma linha nova de brinquedos, cada designer recebia uma sacola com os brinquedos, o que era genial, e com decepção vi que os brinquedos para a América Latina sao um lixo se comparados com os que vão pro mercado americano, que são realmente incríveis.

A empresa entrava em uma competição com outras empresas do ramo, por exemplo, se McDonald’s queria uma linha de brinquedos pro Natal, se convocavam 2 ou 3 empresas e se fazia uma licitação, e ganhava a melhor proposta criativa.

Os brinquedos se começavam a trabalhar com uma antecedencia mínima de 6 meses a 1 ano, especialmente se eram brinquedos de algum filme da Disney como Os Dálmatas, que tinham que ser lançados na mesma data do filme.

Basicamente essa foi a minha experiência como designer de produto na maior empresa de brinquedos do mundo, que queria compartilhar com vocês.

Marcio Dupont .::. [email protected]
Brasileiro, designer de produto radicado na Cidade do México. Conheça o site: Vítimas do Design.